Em jeito de festejo pela atribuição de mais uma estrela Michelin ao Alma, de Henrique Sá Pessoa, fiz uma reserva no seu mais recente restaurante fora das fronteiras nacionais, o Chiado. Até à última sexta-feira não tinha provado nada da assinatura do chefe português e não sei se terei feito bem em fazê-lo fora do território nacional. Explico porquê.
Embora os países estejam cada vez mais globalizados, tornou-se habitual percorrer uma rua em Lisboa e ver um restaurante italiano, um chinês, um japonês, um argentino, um tailandês e por ai fora. O que nos separa de uma nova gastronomia são poucos metros.
Como apreciadora de comida foram várias as vezes que experimentei gastronomia asiática em Portugal (e na Europa). Quando cheguei à Ásia considerava-me conhecedora dos sabores locais. Falhei. Macau conquistou-me pelo estômago. A comida macaense que outrora experimentei em nada se parecia com a que confeccionam aqui. A tailandesa? Idem aspas. Nem sequer vamos falar da japonesa. Se existe diferença de um restaurante japonês de Macau para o Japão, imaginem de Portugal ou restante Europa. Não há nada como os sabores locais. Por muito que se tentem imitar ou criar. Os sabores são diferentes e os públicos também.
O outro lado da moeda
Já ouvi várias vezes, das visitas que recebo, “só não gosto de comida vietnamita”. Em reacção, costumo esboçar um sorriso e dizer, “ok, então comida vietnamita será”. Os sabores não se comparam, porque os produtos nascem em sítios diferentes, conjugam-se de diferentes formas e falam outra língua. Também aconteceu comigo. Experimentei insistentemente a chamada “comida chinesa” em Portugal. Aveiro, Lisboa, Coimbra e até Leiria. Vários sítios, diferentes restaurantes. O resultado foi sempre o mesmo: não gostava. Posso garantir-vos que alguns anos depois sei que não existe “comida chinesa”, existe sim, uma lista enorme de tipos de comidas de diferentes zonas da China, que o arroz “chau chau” é uma invenção de Portugal e que são poucas as gastronomias que conseguem ultrapassar esta.
O mesmo aconteceu com a comida japonesa. Durante uma entrevista, depois de provar algumas peças confeccionadas pelo entrevistado, constatei o mesmo. O sushi era diferente. Amavelmente o chef esclareceu que: “tem de existir um trabalho de adaptação do tipo de prato à comunidade, haverá mais portugueses a gostar do sushi adaptado do que do original”. Referia-se ao chamado sushi de fusão. No Japão o sushi come-se simples, sem queijos frescos, fritos, ou morangos e pepitas de chocolate. É cru, simples, descomplicado e profundamente saboroso. É maravilhoso. No entanto, isto não quer dizer que em Portugal seja pior. Não é isso que vos escrevo. Mas é muito diferente.
Posto isto, uns meses depois de me ter mudado para a Ásia, bem ao jeito saudosista, quis deliciar-me com um bom prato português. Admitindo a minha falta de jeito para a cozinha e as minhas inúmeras tentativas frustradas, pesquisei pelo melhor restaurante português e lá fui eu. Terminei a noite tristíssima, quase ofendida pelo insulto à gastronomia portuguesa. O caldo verde tinha um sabor que nunca senti na vida. A posta de bacalhau pedia-me perdão a cada garfada e nem os brócolos sabiam ao mesmo. Com a maior lata do mundo ainda roubei um pedaço de polvo à lagareiro do prato vizinho. Desilusão completa. Achei que me tinha enganado no melhor restaurante, portanto apostei numa segunda, terceira e quarta tentativa. Acabei por me habituar.

Bacalhau à Brás com gema de ovo a baixa temperatura e puré de cebola
Luz ao fundo do túnel
O Chiado está realmente muito perto dos sabores de casa, mas ainda não é casa. Nem lhe é exigido que o seja. O bacalhau não é tão forte como a posta gorda servida em Portugal e o leitão embora engane a saudade, faz-nos prometer uma visita à Bairrada.
O rei da noite é o lombo de borrego. Corte perfeito, textura macia, sabor suave e servido à temperatura ideal. Ao lado umas fabulosas migas de espargos com creme de alho, tomate assado e molho de amêijoas. Combinação perfeita.
Apesar de ter ficado completamente rendida ao lombo, o destaque vai para o pão, a pasta de azeitonas e a deliciosa manteiga, servidos como entradas. Não é fácil fazer um pão que à primeira dentada nos faça viajar no tempo, nos faça sentir o cheiro a torradas pela manhã enquanto ouvimos a mãe ou o avô a chamar-nos. Um pão que nos volte a sentar numa mesa rodeada de amigos a lutar pelo mergulho no azeite ou no molho da perfeita caldeirada. Não é fácil servir um pão em Macau que a cada migalha transpire a Portugal, às padarias, ao seu pão com tudo ou sem nada. Ninguém reconhece a importância de um bom pão como o emigrante.
E assim, o Chiado que tão longe está, serve-nos um bocadinho de todos nós, das nossas histórias, da nossa infância, da nossa família, dos nossos amigos. Num abrir e fechar de olhos.

Lombo de borrego com migas de espargos, creme de alho, tomate assado e molho de amêijoas
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