Sempre fui pessoa de pessoas. Costumo dizer que adoro pessoas, mesmo aquelas de quem não gosto. Desligar-me delas é muito difícil. Custa-me horrores. Irónico para quem emigrou há quase uma década. Para quem nunca está quieta no mesmo sítio e sonha viver a sua vida de malas às costas e filhos pendurados nos braços. Aqui me confesso, sou nómada. Em lugares, nunca em corações.
Posto isto, admito que o Rajesh me faz falta. (Para quem não está a perceber convido-vos a visitar as primeiras crónicas desta aventura.)
Talvez seja birra, mas gostava de saber que aquela pessoa simpática estava do outro lado da porta. Dei várias vezes por mim, sentada no chão, junto à porta – local onde o Wi-Fi é mais forte – a espreitar para o fundo do corredor. Levantava o braço e recebia um aceno fervoroso de volta. Simples e divertido. Como deve ser a vida.
Determinada a contornar a situação, hoje, quis dedicar-me mais tempo a conhecer o substituto do Rajesh. Seu compatriota, está cá para ficar. É tímido mas muito educado. Disse-me que já sabia que o quarto 708 recebia muitos presentes e que o meu saco da comida era mais leve do que todos os outros.
Ri-me em jeito de concordância. Fechei a porta por saber que as ordens são claras, não pode haver muito tempo na comunicação. E fiquei-me por ali, a pensar sobre o tempo.
Não é irónico que este excesso de tempo me faça sentir que não temos tempo? Eu sei, parece confuso. Mas ter tanto tempo em quatro paredes, mesmo ocupando-me com tudo aquilo que eu sempre disse querer fazer, ler, ler, ler, escrever, escrever, escrever, faz-me sentir que o tempo nos escapa, nos foge entre os dedos. Que nem lhe percebemos o voo. O instante.
Faz-me sentir que vivemos à pressa, entre malabarismos, agendas ocupadas e outros esforços. É o trabalho, o chefe e a equipa, são os miúdos, o trânsito e as consultas. É o evento neste dia, a aula no outro. São as refeições, o desporto e outras coisas mais.
Desaprendemos a abrandar. Vivemos sem tempo. Corridos. Raramente paramos. Falta-nos espaço para sentir e ser. Tempo para sermos vistos. Tempo para ouvirmos. Tempo em nós e no outro. Sem pressa. Sem correrias. Sem relógios tatuados nos pulsos e ritmos cardíacos acelerados.
Lembrei-me do meu avô, do tempo que me faltou com ele. Não tivemos tempo. Escapou-me entre os braços de um abraço. Lembrei-me que um dia, antes de se preparar para a sua sesta das 18horas, me ensinou que a maior tristeza da vida de um Homem era perceber que já não lhe restava tempo. E só hoje, neste quarto, com tempo para sentir, lhe soube o sentido das palavras.
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