É domingo à noite…madrugada… e Macau está deslumbrante. Lá de fora não vem um único som. Esta rotunda que me decora parte da vista, sempre tão movimentada durante o dia, descansa agora, em sono profundo.
Não passa um carro, uma pessoa, um cão vadio. Não se ouve um pio. E eu volto, vezes sem conta, a apaixonar-me pela terra que me acolhe há uma mão cheia de anos.
Viajo até 2014. O ano mais duro que vivi em Macau. O primeiro. Dizem pelas ruas e mesas de café que quem aguenta os primeiros seis meses de Macau, aguenta tudo. É um facto, vários anos passados, não me lembro de ter dores de crescimento tão fortes quanto aquelas.
Tudo era estranho. As pessoas, os cheiros, a confusão das passadeiras, o frio dentro dos autocarros, os guardas-chuvas em dias de sol a ferver, as malas de viagens que tropeçavam na calçada portuguesa. A humidade. Tamanha humidade que em dias de birra nos parece cortar a respiração, suar dois mundos e derreter numa esquina qualquer perdida por esta terra.
Para me restabelecer de dias exaustivos, emoções muito gastas e manhãs ainda mais atribuladas, comecei a sair durante as madrugadas de casa. Por volta das 3h da manhã, em bicos de pés para não acordar a companheira de casa, descia os 102 degraus que nos separavam do chão e caminhava pela rua da Praia do Manduco e suas encruzilhadas.
Admirava o silêncio e a quietude. Revia o seu movimento durante todo o dia. A banca das frutas, os legumes do senhor de cabelo estranho, a loja de telemóveis na esquina cheia de cores e barulho de fundo. E as muitas bancas de flores. Ficava sempre surpreendia por, naquele momento, aquela rua barulhenta, ser o sítio mais quieto e pacífico do meu mundo.
Sentava-me junto à estrada. Outras vezes, sem pensar nas possíveis baratas gigantes que habitam nesta terra, deitava-me no chão. Olhava o céu e respirava fundo. As vezes que fossem precisas.
Hoje, encostei-me à janela. De ouvido colado ao vidro não ouvi um único som. Mas, garanto-vos, que quase senti o bater do coração de Macau.
Enraizei, tal como me ensinam na yoga, a palma dos pés ao chão. Sentindo a terra que há um par de anos me aceitou como sua, me obrigou a crescer e me acrescentou. Sempre muito.
E quase como por magia, ela sussurrou-me: “Filipa, uma semana já está.”
Fotografia: Macau Photo Agency
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