Ontem, em resposta ao texto que partilhei, um amigo disse-me que se encontrava em isolamento na sua casa. Testou positivo e, sem sintomas, foi orientado pelo médico para ficar em casa, num quarto, durante 10 dias. Sem contacto com o exterior. Após esse período, uma vez sem sintomas, poderá retomar a sua vida “normal”.
Curiosa, quis saber quantos testes negativos eram necessários para sair do quarto. Ele estranhou a minha pergunta. Expliquei-lhe que entre viagens e exames médicos a e em Portugal, durante o mês de Dezembro, fiz quatro testes. O mesmo número que terei de fazer durante os 21 dias de quarentena. Dois, já foram.
Entre comparações, percebemos que vivemos experiências “covidianas” muito diferentes. Ele questionou-me sobre esta obrigatoriedade de cumprir isolamento num hotel, isto é, que fique claro, num quarto de hotel.
Pelas mensagens que tenho recebido nos últimos dias e pelas vossas reacções, percebi que esta experiência em território macaense, causa interesse e espanto aos meus amigos.
Então vamos lá colocar ordem na casa e dar-vos, aos que me oferecem do seu tempo, um contexto. Eu adoro um bom contexto.
Este tipo de quarentena obrigatória acontece há longos meses, tendo, num momento inicial, sido possível realizá-la em casa desde que fossem cumpridas determinadas exigências. A coisa não correu bem e, bem sabemos, que nem todos conseguimos cumprir regras.
Em resposta, o Governo de Macau definiu que a quarentena seria cumprida em hotéis, por si designados. Começou-se pelos 14 dias. Mas, citando a imprensa local, devido à nova estirpe com origem no Reino Unido de mais fácil propagação, o governo do território decidiu estender por mais 7 dias, perfazendo um total de 21 dias. Medida aplicada a pessoas que permaneceram, nos últimos 21 dias, em territórios de alto risco. Portugal é, como se compreende, considerado de alto risco.
O sistema é fácil de perceber. Chegamos, com um teste negativo, e depois de preencher toda a documentação de que concordamos cumprir quarentena, somos encaminhados para um novo teste.
Uma voltinha pela cidade de autocarro, paragem no hospital, zaragatoa pelo nariz e seguimos para o hotel que a sorte nos ditou. Entretanto é possível escolher dois hotéis que não foram designados pelo Governo mas que estão abertos a pessoas que queiram cumprir quarentena. Os preços duplicam.
A alimentação está incluída. Num sistema de pequeno-almoço, almoço e jantar deixados à porta às 8h, 12h e 18h, respectivamente. Não existem grandes opções. Há uma frase da minha mãe, que me dizia quando era pequena e esquisita, que retrata bem a situação. “Comes o que há”. Mas uma vez que sou doente celíaca, o processo é um bocadinho mais difícil. Mas tudo se resolve, até porque, todos os dias, amigos e familiares podem ir deixar aquilo que precises entre as 17h e as 19h. Deixam na recepção e alguém nos deixa à porta do quarto. O processo inverso só acontece se forem medicamentos ou documentos urgentes.
É-nos medida a temperatura duas vezes ao dia, entre as 10h e as 11h, e mais tarde, entre as 20h e as 21h. Há hotéis que disponibilizam um termómetro para que essa função seja feita por nós. Aleatoriamente vão-nos ligando para perguntar os valores. Eu não me importo que todos os dias me batam à porta, antes pelo contrário, é o auge da minha vida social.
A limpeza do quarto compete, obviamente, ao “hóspede”. A cada sete dias são deixados (à porta) novos lençóis, toalhas e sacos do lixo. O lixo é recolhido três vezes ao dia. Também no sistema de saco bem fechado e deixado, por nós, à porta.
Ao sétimo dia é feito um novo teste. Foi ontem. Pedem para te encostares à parede, joelhos fletidos, nariz para cima e zaragatoa. A coisa repete-se ao 14º e 20º dias. Uma vez por outra, o telefone toca para te perguntarem se tens algum sintoma.
É proibida a saída do quarto. As janelas, como já tive oportunidade de referir, estão trancadas. É impossível abri-las. E no canto da secretária é disponibilizada uma folha de contactos para apoio psicológico.
Todos cumprem. É lei. Até porque a alternativa é não entrar no território. Em resposta à pergunta “como é que consegues?”. Consigo por duas razões. Porque a minha vida está do outro lado da porta, o meu trabalho, os meus amigos, a minha rotina. E porque este foi o caminho, mais ou menos certo, que alguém encontrou para, quero acreditar, proteger a comunidade. E tem funcionado.
Se custa? Sim, percebo a violência física e psicológica desta maratona. Se percebo que há coisas que não fazem sentido, como trancar as janelas ou até os 21 dias? Ou ter as fronteiras fechadas para outros que não residentes? Sem dúvida. Mas não me importo de a cumprir. Tento não fazer birra, nem maldizer o mundo. Menos quando, por descuido, me contaminam a comida com gluten.
Como? Agarrando-me à ideia de que é pelo bem comum. Tal como fiz nos 8 dias que estive em Portugal e me privei de estar com quem queria estar, de abraçar quem gostaria de abraçar de, sequer, entrar em casa da minha família. Porque se há coisa que não me falta é a esperança. A esperança de que tudo isto, um dia, bem próximo, terminará.
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