Não cabíamos em tanto entusiasmo. Apreciadores de gastronomia como somos lá por casa, estávamos ansiosos por ir experimentar o Gaggan, conduzido pelo irreverente chef Gaggan Anand, o “Melhor Restaurante da Ásia”, como define a The World’s 50 Best Restaurants.
Quem viu o episódio da série Chef’s Table, da Netflix, facilmente cria afinidade ao chef. Todo o seu percurso até ser o melhor da Ásia atribui-lhe um lado vulnerável, humano, que inspira qualquer um.
Para mim, gostar de um chef, da sua filosofia, da sua postura para com a vida, simpatizar com a sua história é receita de sucesso para uma excelente experiência gastronómica.
Programas como o Chef’s Table reforçaram esta componente humana e até didáctica, em que o chef e a cozinha são algo mais do que cozinhar para alguém comer. A procura pelo melhor ingrediente, a sensibilidade e preocupação social na qualidade dos ingredientes, na abolição do desperdício elevam esta arte ao expoente máximo.
Decoração VS animação
O menu do Gaggan está organizado através de emojis. Sim, emojis. Há um apontamento necessário a fazer. Gaggan Anand é considerado um dos chef’s mais criativos. A personificação da expressão “pensar fora da caixa”.
Ao todo, são 25 emojis que representam o mesmo número de pratos. São doses únicas, caso contrário não havia estômago para tanta comida. Esta é – a apresentação do menu – a primeira dica de que aquela degustação vai ser tudo menos solene, comum e fancy.
O espaço transborda bom gosto entre cores pastéis e cinzas. Nas várias salas, bem iluminadas, tudo está devidamente em acordo. Há uma harmonia que nos faz viajar até à sala da nossa casa. Mas, é a sala escura que denuncia a irreverência de Gaggan.
Uma mesa em U que funciona como montra para toda a equipa. Há fogo, música, luzes e gargalhadas por todo o lado. Mas voltemos à sala mais calma.
Índia, Bangkok, Japão e o mundo
Gaggan Anand nasceu na Índia, vive na Tailândia e sonha com o Japão. (Está apontada a abertura de um restaurante em Fukuoka em 2020, altura em que o Gaggan, em Bangkok, fechará ao público.)
A mistura de culturas, as cores da Índia, os picantes, o calor da Tailândia, a frescura e delicadeza do Japão chegam-nos à boca numa cadência perfeita.
O segundo prato é representado pelo emoji da explosão. E, garanto-vos que é de facto algo explosivo. Imaginem uma espécie de gelatina de yogurte, frágil, instável, fresca que ao rebentar em cima da vossa língua transforma toda a vossa boca numa bola de picante e quente. Tudo isto em segundos. E, da mesma forma como surge, desaparece. Incrível, não é?

Yogurt Explosion
Sem nos fazer esperar pela pérola da casa, ou aquela que é apontada como tal, surge, na terceira posição, através do emoji que representa uma língua, o “Lick it up”. Tal e qual como vocês já estão a imaginar, o objectivo é lamber o prato. Acredito que possa parecer constrangedor, embora eu tenha avisado que o ambiente era tudo menos solene. No entanto, é toda a preparação que descongela a timidez ou desconforto que lamber um prato possa provocar. Antes de nos colocarem o prato à frente, a equipa invade – sim, esta é a expressão certa – a sala com uma coluna na mão. O volume está no máximo e, claro, a música de fundo é Lick it up, dos Kiss, uma das bandas favoritas de Gaggan. Uma mistura de picante com diferentes tipos de caril e qualquer outra coisa que é quase impossível descrever.

Lick It Up Brain Curry
Pérolas da casa
Em destaque ficam os pratos: Tom Yum, cabeça de camarão embrulhada numa película absolutamente extraordinária. Foi como se alguém extraísse o sabor máximo do camarão e o enrolasse delicadamente. O Yum foi dos meus favoritos, absolutamente perfeito. O Pedro ansiava pela chegada do nigiri de Chutoro, o anfitrião desta nossa viagem gastronómica. Correspondeu às expectativas. Mas a surpresa da noite, para mim, foi a sopa Kintoki, onde o ingrediente mestre era a cenoura. É picante, quente, toca em todos os poros do teu corpo, mas refresca-te e prepara-te para os 10 pratos que se seguem. Não tenho dúvidas em afirmar que esta foi a melhor sopa que comi na minha vida, mas não fico espantada quando ouço opiniões contrárias. É de facto uma sopa muito diferente, que nos retira da nossa zona de conforto.
Aliás, a grande dificuldade em falar sobre o Gaggan é esta: é difícil explicar os pratos do seu menu, por serem tão diferentes. Muito diferentes de tudo o que possamos pensar, imaginar ou desejar. Talvez por isso, Gaggan seja repetidamente o melhor da Ásia. Por nos levar a um sítio onde nunca estivemos, por nos fazer viajar pela Índia, pelo Japão, pelas partes mais escondidas e irreverentes do nosso ser, sem nunca sair daquela sala acolhedora em Bangkok.

Yum Pla Duk Foo
(Acompanhem estas viagens gastronómicas em: Food is Love)
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