A ideia romântica de viver num apartamento num 39.º andar, cheio de janelas maiores que dois braços esticados ao mundo, e aquela luz de uma casa de vidro, rapidamente se desvanece quando a natureza decide dar o “ar da sua graça”.
Percebi que talvez as horas intensas das últimas semanas de escritório possam ter bloqueado o meu olhar ao mundo. Talvez o cansaço me tenha distraído das notícias que antecipavam um tufão a passar perto de Macau. Talvez não tenha sido nada disto e ele tenha chegado sorrateiro e sem grande alarido.
Hoje o despertador foi diferente. Um estilhaço feroz fez-me saltar da cama, acordar de um sono profundo de quem deve muitas horas à cama. Entre sonho e realidade confundi-me entre estar num barco no meio de uma tempestade nunca antes vista, ou num edifício que estava prestes a desmoronar.
Depois de gatinhar até à casa de banho – devido ao balanço da casa – repetia as palavras apaziguadoras de um arquitecto querido: “se balança é seguro, Filipa, se balança é seguro, não vai ceder”.
Em jeito de verdade, não acreditei que o prédio cedesse, mas o meu coração estava a ceder. Cedeu muito e quase que me saltava pela boca. Fez-me tremer os joelhos, suar das mãos, chorar e balbuciar palavras aleatórias. Palavras estas dos quais os meus pais não teriam orgulho de ouvir.
O que é que nos acontece quando sentimos que temos de sobreviver? Lutamos. Não pensamos, reagimos. Lutamos com tudo o que temos. E o que é que nós temos? A que é que nos resumimos? A pessoas. Às nossas pessoas.
Talvez tenha sido a casa vazia. Talvez tenha sido essa sobrevivência, talvez tenha sido o meu caminho até aqui, até ao hoje. Talvez fosse o Adamastor que gritava lá fora fazendo a minha casa tremer, abanar e gritar como se algo desesperante estivesse a acontecer. Talvez tenha sido o meu olhar atento à fechadura que quis, tal como o meu coração, ceder. Talvez tenham sido as janelas que pareciam querer explodir, tal como o meu estômago. Pode ter sido isto tudo, ou posso ter sido só eu a perder os pés do chão, mas foram nomes que surgiram na minha cabeça quando o mundo me pedia para aguentar.
É quando te falta o Norte que as tuas pessoas se tornam em Sul. Não interessam as coordenadas quando estamos a falar da essência. Do que somos, de quem somos e do que amamos. A Mariana ensinava-me a respirar, a Joana olhava-me atenta e obrigava-me a racionalizar. A preocupação vinha de todas as partes do mundo e eu senti-me a enlouquecer e rica. Uma louca feliz por ter a quem ligar. Uma louca feliz por ter nomes de quem lembrar, que me decoram a alma e me acalmam o coração. Mesmo quando – principalmente quando – o mundo parece querer acabar.
É. Desta vez o aviso veio em nome de Higos. Veio lembrar-me de que somos um sopro, um sopro de um Adamastor mais ou menos feroz, com mais ou menos vontade. Somos um sopro da noite para o dia, de uma hora para a outra. Veio, uma vez mais, dizer-me que somos os nomes que penduramos nas nossas portas, na nossa vida. Somos por quem somos lembrados, resumimo-nos ao que de bom fizemos, ao outro, sempre ao outro e ao mundo. Que ninguém é sozinho. Mesmo numa casa vazia, no meio de uma tempestade, do outro lado do mundo. Veio lembrar que no cuidado, lembrança e amor não há fronteiras, que o nosso tempo é dos nossos, os que se lembram, os que cuidam, os que querem saber. É lá, no coração do outro, que vivemos eternos. É também lá que mora a nossa beleza, o nosso amor.
Filipa!
Coragem!
Gostei muito de ler. Compreendo bem o susto, a preocupação. A realidade deve ser transmitida. Para aliviar dessa carga tempestuosa, mas também para alertar para fenómenos mais frequentes e de intensidade maior.
Recuperação rápida, tudo de bom,
Rui
Parabéns pelo texto…..