O ano ainda há pouco tinha começado e já contava com mil aventuras no bolso. Na altura, no fim daquelas férias pensei que tanta aventura só podia ser porta de entrada a um ano incrível…. oh well. Mas vamos lá viajar um bocadinho.
A Malásia nunca foi visita prioritária, embora me tenha sido sempre aconselhada. Sempre lhe ouvi toneladas de elogios, mas por alguma razão fui adiando o encontro.
Contrariando a inércia e o pouco interesse, aproveitei os feriados do Ano Novo Chinês e a feliz sintonia de agenda com uma amiga de infância e lá fomos nós rumo à Malásia. O plano sempre era muito claro e simples: conhecer uma nova cultura e descansar. Respeitando as vontades, dividimos o passeio em duas fases: três dias dedicados a Kuala Lumpur e Malaca e os restantes na praia entre mergulhos, banhos de sol e bons petiscos. Era de facto um bom plano, e quase que foi isto que aconteceu. Quase.
Dia 1 – Kuala Lumpur
Chegámos já a noite decorria. Como seriam poucas horas na capital, por termos optado por visitar Malaca no segundo dia, escolhemos o The Explores Guest House, um pequeno hostel, para pernoitar. Não posso negar que o staff era divertido só de olhar. Miúdos em modo zen com a vida que pediam permissão a um pé para mexer o outro, ao seu ritmo, um passo por cada respirar, a contrastar com um grupo de homens de meia idade de barrigas grandalhonas, palitando os dentes com a língua. Este é o relato mais simpático que posso fazer sobre aquele espaço. Tudo o resto foi péssimo, a começar pelo mais importante: a limpeza. Estou muito perto da verdade quando afirmo que a última vez que alguém limpou aquele quarto, forrado a carpete, foi em 1852. Do tecto temíamos que caíssem as famílias de aranhas envolvidas em teias há muito construídas.

Dia 2 – Malaca
A vontade de seguir caminho era tanta que a manhã começou antes do nascer do sol. Banhos rápidos e cheios de malabarismos de forma a não tocar em qualquer parede imunda e lá seguimos para uma viagem de duas horas de autocarro. Demos por nós a desejar que Malaca fosse uma terra de silêncio, depois de umas horas na azáfama de Kuala Lumpur precisávamos de descanso. KL não se mostrara a capital mais simpática do mundo e aquele terminal de autocarros – talvez o maior em que estes pézinhos tocaram – é por si só uma viagem cultural profunda.
Desta vez o hostel tinha melhor pontuação e aspecto. As áreas comuns eram divertidas e leves, convidavam ao convívio. Dentro das opções que a booking oferecia, procurámos aquele que nos permitisse estar junto ao canal do Rio Malaca, talvez, uma das maiores atrações e onde se passam belos fins de tarde. Tudo parecia correr bem não fosse o proprietário ter ignorado a nossa reserva e ocupar o nosso quarto com outro hospede qualquer. “Booking? Today? Oh no no no. FULL”. É. Isto é de facto possível. “Mas como assim cheios? Nós temos aqui a reserva. Não temos onde ficar?”. “Sorry. Another. No rooms. Bye”.
De mochilas às costas seguimos em busca de uma alternativa. Vimos de tudo. Corredores partilhados, um indiano que se fingia de mudo para “poupar nas palavras”, quartos pintados a cor de rosa choque onde mal cabia um colchão. Acabámos por ser acolhidas por uma simpática família chinesa que incluiu duas forasteiras nos seus festejos do novo ano.
Dia 3 – Riquexó
A paz de Malaca – village – está em risco de sobrevivência devido ao número elevado de turistas. Recordei relatos de um sítio calmo e desafogado, bem pacato ao jeito de escapadela de fim-de-semana. Como madrugadora que me tornei, visitar locais de grande interesse turístico passou a acontecer – sempre que possível – entre as seis da manhã e as onze. É, de facto, o melhor período para visitar um local que estará atolado de pessoas o resto do dia.
Os riquexós exagerados na música e adereços ocupam todas as vias. São uma atração turísticas e são também in-su-por-tá-veis. O trânsito é igualmente caótico e barulhento e ao fim-de-semana e épocas festivas tudo piora. Tanto que nos fez perder o autocarro que nos levaria de volta a Kuala Lumpur. Sem problema, eles são de meia em meia hora. Quando não se atrasam.
Fobias – Alturas
Obviamente que o hostel da primeira noite foi descartado das hipóteses para a terceira noite. Problema de muito fácil resolução. Pequena pesquisa na internet e ficou resolvido. Quisemos arriscar tudo e a ideia de ter uma piscina para o skyline da cidade pareceu-nos fabulosa. Só não sabíamos é que a piscina do 8º andar não era “A Piscina”. Essa, a das fotografias incríveis e vista para as famosas Petronas ficava, só e apenas, no 49º andar. Desafiante para quem ama alturas, mini ataque cardíaco para quem, como eu, treme das pernas e transpira das mãos.
E lá estava eu, a subir um elevador que me levaria a uma das minhas maiores fobias: alturas. Lá estavam as pernas a tremer, as mãos a escorrer água, o lábio a dar o jeito de trombose, a respiração a querer perder o controlo, quase a faltar o ar. No entanto, firme na vontade: não há medo que me vença. E o resultado está aqui:

A noite terminou já era dia. A Sara (Porto) e a Saki (Barcelona), um casal maravilhoso que Kuala Lumpur nos fez questão de oferecer, souberam fazer-nos festejar a vida. Muitas cervejas e pézinhos de dança à mistura não houve tempo sequer para ir dormir ao hotel, seguimos directas para o aeroporto que nos levaria até às tão aclamadas ilhas Perhentian.
Dia 4 – Quase morte
Primeira experiência quase-morte. Só quero que imaginem um barco, pequenino, um motorzinho, 12 pessoas encolhidas e toda a sua bagagem. Água até aos pés, velocidade máxima, viagem contra o vento e a saltar tanto que o cérebro parecia querer saltar fora. Quarenta minutos disto.
Dia 5 – A chegada
Visitar as ilhas Perhentian no início do ano é acreditar muito na boa vontade dos deuses e arriscar tudo na sorte. Por norma estas ilhas estão fechadas entre Novembro a Janeiro – às vezes até Março, devido às monções. No entanto, devo dizer que, para além dos deuses estarem do nosso lado, apostámos no cavalo certo e tivemos direito a 4 (de 5) dias de calor imenso e céu azul.
Para tornar tudo muito melhor, o resort que escolhemos não tinha sobrevivido à última monção, e a alternativa possível era o único hotel aberto daquele lado da ilha, portanto ou ficávamos ou…ficávamos. Ficámos.
Aceitando a sugestão do simpático gerente, decidimos dedicar a primeira manhã a fazer snorkeling. Eu, erradamente, assumi que seria uma espécie de Tailândia, em águas diáfanas e que quase nos fazem crer que estão paradas.
Fobias – Mar e Tubarões
Ora, como devem imaginar quase todos os meus amigos de Macau, amam mergulho. São profissionais, buddies e mergulhadores. Pulam de alegria só de imaginar descobrir os restos mortais de um avião nas profundezas do mar. E os peixinhos e tantas outras criaturas? Adoram-nas. Já eu, gosto de estar na areia. Adoro o mar, muito, mas quanto mais pé e perto da costa estiver, melhor. Portanto, snorkeling em alto mar nunca foi um objectivo de vida. O que eu não sabia é que a minha companheira de viagem partilhava do mesmo desconforto que só piorou quando ouviu a palavra “tubarão” como parte da experiência.
Acalmem-se os corações de mãe. Estamos a falar de tubarões com pouco mais de um metro, alguns até menos, que estão por ali na vidinha deles, sem grande interesse em humanos. Lá fomos, as duas, armadas em corajosas. Ela discursava e prometia nunca me abandonar no mar. E eu lá estava para a abraçar depois de vermos o primeiro tubarão. E no segundo, e no terceiro e nos restantes que por lá andavam.
Dos tubarões passámos para as tartarugas, neste caso, para uma única tartaruga enorme. No fim rebentámos de alegria. Não havia espaço para medo ou hesitação ou outros tantos maus sentimentos. Havia confiança e gratidão. Eu sem ela não tinha ido, ela sem mim não tinha ido. Sabíamo-nos ali, juntas, sem sequer querer saber o que iria acontecer a seguir, estávamos ali, no meio do mar algures pela Ásia a vencer desconfortos e medos, e no meio de tanta fragilidade estávamos mais unidas do que nunca.
Dia 6 – Um bichinho
Ainda eufóricas com os tubarões, reservámos a manhã seguinte para banhos de sol. Por ali éramos as primeiras no pequeno-almoço. A precisar de alguma actividade física – bem sabemos que os banhos de sol podem ser bastante cansativos – decidimos fazer “o trilho” também sugerido pelo hotel. “Lá em cima, no ponto mais alto, há um moinho”, disse-nos o gerente ao mostrar-nos o mapa do trilho. Do nosso hotel ao ponto mais alto da ilha seriam 15 minutos a pé e as indicações eram claras, o início do trilho começava atrás do nosso hotel. Lá fomos.
O cheiro era nauseabundo. Estávamos no meio de uma lixeira a céu aberto. Eu apostaria que estariam por ali corpos humanos e de outros animais já em decomposição. Entre queimadas e montes de lixo, procurávamos o início do trilho. Sem sucesso. Regressámos ao hotel e pedimos ajuda ao staff. Um dos colaboradores acompanha-nos e lá estávamos nós no meio daquela lixeira. “Mas tem a certeza que é aqui que começa?” “Yes”
Olho para os pés e estou a ser devorada por mosquitos. Senti em mim um nervoso miudinho sem saber o porquê. Ouvi o meu coração e desisti do trilho, enquanto a minha amiga insistia em fazê-lo. A medo, o funcionário aconselha-a a não ir sozinha. Porquê, quisemos saber. “É melhor não….”. Nesta conversa entre vai não vai, começamos a ouvir um barulho vindo da mata (e da leixeira). Estava a aproximar-se cada vez mais e, sem pudor, agarro no braço do funcionário do hotel em jeito de pedido de ajuda. À nossa frente o maior lagarto que estes olhos já viram. Caminhar lento, língua a saltar daquela boca gigante. Olho num pânico silencioso para o funcionário que diz: “OH MY GOD, KOMODO STYLE, SOOOO BIGGG!”.

Numa fracção de segundos pensei que não sairia mais daquela ilha. Quis rir, outra vez. De nervoso. O Sr. Lagarto continuou o seu percurso ignorando a nossa existência e em pézinhos de lã regressámos ao hotel. Quando me sentei na nossa varanda, peguei no meu livro e estive a olhar para a mesma página durante 5 longos minutos.
Dia 7 – Observadoras
O último dia foi perfeito. Alugámos um barco e percorremos várias ilhas desertas. Lugares encantados que por norma estão cheios de turistas. Naquele dia éramos as únicas na visitar as ilhas. Talvez a nostalgia da despedida tenha trazido ao momento um sentimento de gratidão, mas aquela areia, aquele mar curaram-nos. De tudo. Das dores que carregávamos ao peito por outras histórias, dos medos de arriscar, de ir e não saber como voltar, os medos de bichos e do grandioso. De qualquer doença, de qualquer tristeza. Ali, procurámos estar em silêncio, entre o sol e o mar. Sabendo qual o nosso lugar para com a natureza, de observadores.

Pé no acelerador
Lembra-se da turbulenta viagem para chegar à ilha? Ok, o regresso foi 30 vezes pior. Os alertas surgiram durante a madrugada, pela manhã chegaria tempestade. Não se sabia se os barcos sairiam do porto. Não se sabia quando é que a chuva e o vento iriam terminar. Os conselhos eram claros: “é melhor não irem hoje”.
Num descanso de 3 horas sem chuva durante a tarde, um barco decidiu fazer o percurso e, sem outra hipótese, decidimos mergulhar naquela aventura. Estamos cá para contar a história. É a única coisa que interessa. E se conseguimos apanhar aquele avião de regresso a Kuala Lumpur, muito devemos ao taxista mais simpático e empenhado que nos mereceu a maior gorjeta das nossas vidas.
Do outro lado, na capital, esperavam-nos a Sara e a Saki. De sorriso rasgado e muitas gargalhadas com as nossas aventuras, partilhámos um bom pequeno-almoço no local que quis que nos conhecêssemos. E é delas que mais me lembro.
As viagens – e a vida – têm este poder em mim, podem correr tal como planeado, ou podem virar-me ao contrário entre imprevistos e surpresas, mas são as pessoas que tornam cada lugar, cada memória feliz. Da Malásia trago o reforçar de uma amizade com mais de 20 anos, na cumplicidade, na partilha, no amor que guardo à minha amiga Rita. Trago novas pessoas, a Sara e a Sacri, que por todas as razões e nenhuma em particular me fizeram apaixonar, temperando Kuala Lumpur com sabor a casa e dando-me a certeza que ninguém cruza o nosso caminho por mero acaso.

Adoro a cara do taxista! 🖤
Que viagem maluca! A morrer, tudo bem, já era no último dia! 🙂 Obrigada por seres a melhor !