Fico sempre admirada com a gentileza. Emocionada, até. Actos de gentileza arrepiam-me, fazem-me chorar, provocam em mim uma lista de emoções muito especiais. No grupo de amigos já sabemos que sou a chorona. Sejam filmes, pequenos vídeos espalhados pela internet, arte ou histórias contadas ao vivo e a cores. E não, não choro com vídeos de gatinhos. Até eu tenho limites.
Um amiga minha dizia-me outro dia que a nossa mente capta apenas aquilo ao qual estamos sintonizados. Segundo ela, o nosso olhar prende-se ao que o nosso coração sente. À nossa frente pode estar a acontecer uma coisa boa e uma outra coisa má, focaremo-nos na que o nosso coração mais se identificar.
Achei ser um bom barómetro para nos definirmos como seres humanos, para avaliarmos a nossa essência. E, embora Platão nos diga que a essência permanece a mesma, a vida tem-nos mostrado que aprendemos, transformamo-nos e vamo-nos limando e polindo. Assim, assumindo que a nossa essência é o resultado do bom e do mau, em algum momento das nossas vidas já fomos maus e noutros bons. Resta-nos então escolher o caminho através de decisões e de umas quantas aprendizagens.
O meu projecto FAR tem sido uma escola danada sobre pessoas, essências e actos de amor. É ele que me tem levado a tantas casas, vozes e histórias. É ele que me traz colo e partilhas, amigos e pessoas que sempre me acrescentam. É também ele que muito me inspira, muito me obriga a pensar, a debruçar-me sobre tudo o que me acontece. Que me obriga a ser atenta e observadora, e tanto, tanto me tem ensinado convosco.
O domingo serve exactamente para isto. Reflectir, dar passos lentos e tirar conclusões serenas. Os domingos pacatos, entre uma caneca de chá e um copo cheio de sumo de cranberry, com cheiro a páginas de livros e sesta, servem-nos para isto. Recuperar energia, restabelecer metas e estar em paz.
Nunca gostei de domingos ocupados. Sempre me achei no direito de ter um dia sem planos, sem horários e sem afazeres. É preciso pensar. Ter tempo para pensar. É preciso também ter espaço para não fazer nada e ser tudo o que quisermos.
O meu retiro de domingo foi interrompido pelo Gan – o substituto do Rajesh. Do outro lado da porta chegou uma nova entrega. Lembram-se de vos dizer que todos os dias das 17 às 19h amigos e familiares podem vir deixar coisas, a quem está de quarentena, certo?
É a terceira vez que Gan vem de saco na mão e eu não sei quem é o seu remetente. Uma primeira vez foram framboesas, amoras e chá verde. Tudo coisas que adoro. Ri e achei que alguém se esqueceu de avisar.
No sábado, foram abacates, cerejas e, vejam só, bolachas sem glúten. Estranhei, confesso. Uma segunda encomenda sem identificação não pode ser mero acaso. Hoje, lá vinha um novo saco. Uma caneca divertida, um boneco simpático e um cheiro a lavanda como quem me quer garantir paz.
Encostei os meus amigos à parede. Uma vez é divertido, duas vezes é curioso, três vezes já é um mistério. Eu, de sangue jornalista, apaixonada por histórias e pessoas, criei a investigação perfeita. Uni comentários anónimos a sacos também anónimos. Excluí hipóteses e subtraí utopias. Juntei A + B e o resultado foi zero. Usei o recurso mais sujo, a chantagem. Não resultou.
Pensei muito, analisei todos os pormenores e recolhi umas quantas opiniões. Se num primeiro momento me senti desconfortável, pela frustração, agora sinto-me em paz.
A verdade é que nem eu, nem os meus amigos mais próximos, sabemos quem é. Mas isso, é o que pouco interessa perante aquilo que é realmente importante: A gentileza.
Por isso, aqui, publicamente, eu agradeço-te de coração em coração. Os actos de gentileza e generosidade são sementes perfeitas. Inspiram. E prometo-te, em algum momento, continuar a corrente que iniciaste, porque só assim seremos capazes de tornar o mundo num lugar melhor.
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