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Da janela do meu quarto 17/21

Da janela do meu quarto· destaque· Quarentena

13 Jan
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Continuo impressionada com a secura da minha pele. Não que me incomode, é um facto, não incomoda. A não ser o nariz. Sinto o desconforto, borrifo água termal quando me lembro e se me dedico muito a senti-lhe a dor, fico chateada com o mundo. 

A verdade é que começo a apresentar sinais de frustração, ainda não percebi bem porquê, mas talvez seja esta recta final, o “está quase” que a minha mente insiste em dizer assim que acordo. 

Ao longo dos últimos dias, vocês, desse lado, questionaram-me muito sobre o número de dias de quarentena. Cheguei mesmo, no início, a escrever sobre isso, explicando que o Governo de Macau assim o decidiu devido, segundo os jornais locais, ao aparecimento da nova estirpe no Reino Unido. 

Lembro-me do dia do anúncio, estava em Portugal, a dois dias de me meter dentro de um avião rumo a Macau, e começaram a pipocar imensas mensagens no meu telemóvel. Eram os meus amigos de cá. “Pipinhas, 21 dias”, “Filipa, estás a ver a conferência?”, “Pipinhas vão aumentar a quarentena”, foram algumas das mensagens que recebi. 

O meu coração disparou, comecei a transpirar das mãos e acreditem, acreditem mesmo, quando vos escrevo que fui invadida por uma raiva que poucas vezes senti. 

Senti raiva de tudo. Da porcaria da pandemia. Do vírus. Dos meses intermináveis de limites, confinamentos, notícias, teorias da conspiração, exageros e desleixo. Depois de descarregar a minha raiva, sentei-me no sofá, abracei quem me acolheu e disse “só estou cansada, mas também quem já fez 14 dias uma vez, faz 21 na boa, né?!”.

Não. Vinte e um dias fechada num quarto de hotel é realmente demasiado tempo. Não é óptimo para descansar. Não é um retiro. Não são férias. É estar trancado num quarto, sem poder abrir a janela, sem ter autorização para colocar um pé no corredor e são quatro – QUATRO – zaragatoas nas narinas. Nunca pensei dizer isto, mas acho que enjoei a frango grelhado.

A determinada altura começamos a questionar se um esforço mental tão grande vale realmente a pena. Entramos numa linha entre não saber se queremos ir lá para fora ou ficar aqui para sempre. Como solução, recorremos à lista mental de razões que justifiquem o esforço e lemos “por todos nós”. E lá conseguimos arranjar mais uma par de horas de coragem. 

Hoje dizia isso a um amigo que se lamentava pelo novo confinamento em Portugal. Lembrava-o do bom que é podermos fazer um confinamento em casa, garantindo que o nosso núcleo está por ali. Das janelas abertas, sempre que quisermos e dos momentos de família. Das pausas nas idas ao supermercado.

Lembrava-o que há um propósito maior do que todos nós. Maior do que o desconforto de estarmos trancados, do que o sacrifício e ginástica que a logística da casa e família nos obriga num isolamento. E acredito ser bem grande. 

Este segundo confinamento em Portugal são estes mais sete dias de quarentena obrigatória em Macau. Partimos de um estado já por si cansado. A casa de partida está desorganizada e gasta. Estamos todos cansados. Falta-nos a visão de um futuro diferente, de uma solução à vista. 

Queremos voltar a ter o falso controlo que achávamos ter da nossa vida. Mesmo assim, sendo falso, valendo pouco, mas estávamos bem nessa ilusão. Estamos cansados e preocupados. Queremos o fim. 

Mas é no lembrar, porque grande parte das vezes nos esquecemos disto, que não vivemos aqui sozinhos, que não é só por mim, não é só por ti, é por todos. É ai que vamos recarregar as baterias e ganhar forças. Mesmo por aqueles que vomitam teorias da conspiração tiradas da sanita. Mesmo por esses. Este é o nosso maior trabalho de equipa. 

Cada um de nós representa o todo. Todas as famílias, todos os avós, todos os que precisam de trabalhar para que nós possamos ficar em casa. Guardem isto. Cada um de nós representa o todo…e se um de nós falhar, o todo sucumbe. 

Que nos saibamos assim, que nenhum de nós está sozinho. Que eu, aqui neste quarto, não estou sozinha, carrego aos ombros o dever e gosto de proteger todos aqueles que do outro lado da porta estão. Mesmo no exagero. Mesmo não concordando. É por todos. 

Que te saibas a fazer isto por todos. Por todos os que amas, todos os que não conheces. Por todos os que um dia se cruzarão contigo. Por todos aqueles que nunca irás conhecer. Pela criança que irá crescer, pelo idoso que não quer morrer. 

E nos intervalos, que nos saibamos sempre guerreiros, como Castello Branco canta “Somos guerreiros neste lugar, vindos de um lugar comum, nossa voz, nossa luz!”.

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2 Comments

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  1. Não interessa says

    Janeiro 14, 2021 at 2:51 am

    Há momentos na vida em que precisamos de coragem e força para seguir em frente, mas não duvides nem um segundo do que existe dentro de ti, quando estamos determinados e com o coração carregado de coragem e de esperança não há limites, o teu poder de ultrapassar os obstáculos é maior que tu imaginas.

    E estejas onde estiveres, fechada num quarto de hotel ou na tua casa, cada dia é dia de recomeçar, é dia de ser feliz. A resposta mais saudável à vida é a alegria. Abre-te ao novo, deseja-te um bom dia e luta por ele! É no dia a dia que é construída a vida.

    Nenhuma tempestade dura eternamente, o confinamento está a terminar e tu conseguiste superá-lo.
    Sempre acreditei em ti!

    Quem já passou
    Por esta vida e não viveu
    Pode ser mais,
    Mas sabe menos do que eu
    Porque a vida só se dá
    Pra quem se deu
    Pra quem amou,
    Pra quem chorou
    Pra quem sofreu
    Vinicius de Moraes

    A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade.
    Martha Medeiros

    Quando eu tinha 5 anos, a minha mãe sempre me disse que a felicidade era a chave para a vida. Quando eu fui para a escola, perguntaram-me o que eu queria ser quando crescesse. Eu escrevi “feliz”. Eles disseram-me que eu não entendi a pergunta, e eu disse-lhes que eles não entendiam a vida.
    John Lennon

    Que nunca te falte:
    A estrada que te leva, e
    a força que te levanta.
    O amor que te humaniza
    e a razão que te equilibra.
    Lou Witt

    Adeus, até um dia!

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    • filipa says

      Janeiro 14, 2021 at 5:21 pm

      Palavras muito bonitas, mas não posso deixar de ficar triste que continue a insistir no anonimato. É uma pena.
      Tudo de bom.

      Responder

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Não sei se o azul combina com o vermelho ou se este ano os corsários estão na moda. Não decoro nomes, mas memorizo caras. Embora depois confunda tudo…

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