Às vezes tendo a exagerar. Gosto de sentir emoções e tropeço-me entre sentir em cheio ou não sentir. A apatia sempre me aterrorizou. É quando estou lá que tenho a ideia clara e firme de tudo aquilo que não quero sentir. O vazio.
Seria muito ingrato da minha parte não vos dizer que esta experiência tem sido muito mais enriquecedora do que difícil. De facto, foram muito poucos os momentos que senti dificuldade, tendo até de me esforçar para os lembrar. E só me ocorre um.
Seria também muito errado dizer-vos que este processo não me acrescentou. Acrescentou muito, mas por ser tão pessoal, tão íntimo, tão meu para mim, é-me impossível explicar-vos. Conseguir sequer escrever sobre isso.
Vão dizer que outros que por aqui já passaram não sentiram o mesmo. É certo. Vão dizer que foi super fácil. Também certo. Vão dizer que foi um esforço terrível. Certíssimo. A viagem de cada um é exactamente isso, de cada um.
Da minha parte foi uma decisão consciente. Agarrar em 21 dias em branco e mergulhar em leituras que me fizessem reflectir. Em histórias que me dissessem tudo. Em pessoas que me fizessem vibrar. Em decisões. Das mais sérias às mais vulgares. Decidi colocar tudo aquilo que a vida me permite, em ordem. Num lugar organizado dentro de mim, da minha cabeça, da minha alma. Tudo o resto, deixei que fossem outros a tratar, que fosse a vida a decidir.
Neste quarto entraram mil e umas quantas histórias. Nomes, pessoas, risadas e muita, tanta, partilha. A minha agenda chega ao fim destes 21 dias toda rabiscada, entre reuniões via zoom, gravações de conversas e planos, tantos planos para o momento seguinte. O futuro é visto assim, no segundo seguinte. Só esse.
Já sinto o cheiro da meta. Já consigo visualizar-me a sair, já me coloco no regresso ao trabalho, à secretária e à minha equipa que todos os dias esteve aqui comigo. Já me sinto lá fora, num campo de ténis, num almoço entre amigos e numa passagem de ano fora de horas.
Mas, antes de ir, vou-me sentir por aqui. Antes de recomeçar, vou parar. Silenciar. Para agradecer e rever tudo o que me aconteceu. Dentro e fora destas paredes. Dos textos que vos escrevi, das mensagens que recebi, da vergonha que perdi em me tornar vulnerável à vossa leitura atenta, à vossa apreciação.
Vou rever todas as conversas que estas paredes gravaram, de tantas novas coisas que aprendi. Não me esquecerei que nestes últimos quatro dias conheci 5 novas pessoas. Lembrando todos aqueles que por aqui passaram, entre presentes secretos, carinho em forma de comida, amor em forma de atenção. Guardarei a memória de me sentir certa no meu caminho, de sentir aquilo que há muitos anos disse à Gaby, a minha primeira editora, “nasci para escrever, não sei fazer outra coisa, nem quero, é pela escrita que acredito mudar o mundo, nem que seja o meu”.
A vida sempre nos recompensará. Abrirá caminhos, levar-te-á a pessoas que te entregarão o seu coração. Nessas trocas bonitas, sinceras e emotivas encontrarás a tua verdade. É na entrega ao outro que nos acrescentamos, que nos fazemos sentido, que somos. O outro. Sempre o outro. Começar em mim para ser no outro.
E nesta, que será a minha última crónica desta quarentena, agradeço-vos a companhia. A presença e o amor. Agradeço tudo isto que vivi, que senti, que me fez chegar até vocês.
Não creio que exista melhor forma de recomeçar.
Obrigada.
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