Sinto a tua falta. Das longas noites de conversa. Da mão no ombro quando olhava para a ponta dos sapatos, em jeito de derrota. Sempre foste magro. Mas essa tua magreza dos últimos anos incomodava-me. Percebia-te frágil e, pior que isso, infeliz. Tinhas na testa traços de preocupação. O mundo incomodava-te, ou tu achavas que o estavas a incomodar.
Não me lembro de quantas vezes te ouvi dizer que “a solidão mata”. E agora, que te recordo mais do que quando estavas a umas horas de mim, dou-te razão.
Ontem a Ana, aquela que nunca conheceste, disse-me que se sente sozinha. Dá do seu tempo à leitura, ao chocolate quente, que tão bem sabe fazer. As paredes daquela casa transpiram o cheiro doce. Seja verão ou inverno. Rasgou-me o coração ouvi-la dizer que se sente sozinha. Como? Quantas pessoas vivem lá em casa? Quatro? Às vezes cinco!
Quis muito falar contigo sobre isto. Ouvir-te a deambular na tua opinião. Soltavas palavras enquanto criavas linhas de pensamento e às vezes tudo aquilo parecia um grande nó. Rias quando achavas que estavas a ser tonto. Eu ria também. Ainda agora.
Quis que me colocasses a mão no ombro e me dissesses que é normal as pessoas sentirem-se assim. Que eu terei de fazer o meu papel no mundo. Onde estás tu para me ajudares quando o mundo está em crise?
No outro dia, junto ao rio, naquele passeio que nunca te contei. Conversava sobre amor e perdas, sobre como cada um sofre dentro de si mesmo, sem mostrar, corroendo-se, encolhendo-se, para depois se erguer. Tal e qual. Dizia que as pessoas se esquecem que não somos nada uns sem os outros. Ele concordou comigo. Disse que temia o futuro. “As pessoas estão cada vez mais sozinhas. É preocupante”. Fiquei assustada, logo eu, tu sabes, que tanto gosto de pessoas. Citei-te. Disse que um dia me contaste que a tua namorada desistiu de ti. Prontamente me corrigi, “dele não, deles!”. Ele riu. Como ela partiu o teu coração, porque se sentia sozinha, mesmo estando tu, ali, ao lado dela. Achei que me contaste isso para pensar que a presença física não é o mais importante, que o amor é mais rápido que o som, ultrapassa barreiras e atinge os corações daqueles que amamos. Só isso justificava o nosso amor, mesmo vivido toda a vida à distância. Disseste que não lutaste por ela. “Os espaços respeitam-se, as decisões também”, frisavas. Mas uma coisa era certa: se as pessoas não se completaram, nunca se pertenceram. Queria ouvir-te dizer que na tua geração as pessoas diziam menos vezes “amo-te”, mas amavam-se mais. “Tu tens a obrigação de amar tudo e todos. Promete!”. “Mesmo os maus?”, perguntava a jeito de medo. “Mais esses”, solucionavas, como sempre.
Agarrei-me aos teus ensinamentos carregados de saudade e partilhei com a Ana. Contei-lhe mil histórias. Exagerei para fazer de ti herói. Ela sorria. Não sei o que percebeu, mas sorriu. Parei e pensei que as histórias são para isto mesmo, partilhar. “As histórias nada mais são do que vida”. Era isto? Era esta a lição que tanto insistias em dar? Que me querias dizer quando me fizeste prometer que nunca perderia tempo a viver uma vida só minha?
A Ana abraçou-me e disse que não há nada melhor do que um abraço amigo. Talvez tenha percebido, melhor do que eu, as tuas histórias.
Fecho os olhos e o frio transmontano não se faz sentir, muito menos o calor abrasador. Lá estás tu, sentado na pedra. Fazes-me um sinal. “Anda, despacha-te, tenho mais umas para te contar”.
““Tu tens a obrigação de amar tudo e todos. Promete!”. “Mesmo os maus?”, perguntava a jeito de medo. “Mais esses”, solucionavas, como sempre.” <3
🙂