Embora com raízes católicas, as últimas gerações da minha família pouco ou nada estão ligadas ao catolicismo. São mais os que questionam tudo, do que os que acreditam nas mensagens transmitidas pela igreja católica.
No entanto, tenho clara em mim, a lembrança de vários dias de Páscoa passados em família. A visita do padre a nossa casa para beijarmos cristo na cruz sempre me fez bastante confusão. A minha mãe falava-me em respeito e tradição, mas eu sabia que nem ela ia à bola com o todo aquele aparato. A minha mãe sempre foi de relva nos pés, olhar no céu e força no acreditar.
Um dia, perto da Páscoa e com menos de um metro e meio, enchi-me de coragem e confrontei-a com as minhas vontades. Ou, neste caso, não vontades. Eu não queria voltar a beijar uma cruz, não queria mais frequentar uma catequese que não respondia às minhas questões e muito menos voltar a entrar numa igreja. Tudo aquilo era óbvio para mim, eu nunca pertencera àquele mundo. Vivia em contra movimento, sentia-me frustrada e obrigada a aceitar uma corrente que eu nunca quis.
Atenta, a progenitora sorriu e em jeito de investigação perguntou-me “mas antes de desistires, sabes o que representa a Páscoa?”. Eu não sabia. Repeti uma história de arrepiar, ferimentos, crucificados e Cristo que ressuscitou. Ela voltou a rir e fez aquele ar de quem tem uma história para contar.
“Filhota, sabes o que são segundas oportunidades?”.
A minha mãe sabe o que faz. Ela conhece tudo aquilo em que acredito. Essa força motriz que me faz viver. As segundas oportunidades, o recomeçar, o renascer, o voltar a tentar, o perdão, a lição aprendida e o amor. Ela ensinou-me que mais do que histórias com diferentes nomes e em correntes opostas, messias variados e pormenores trocados, a mais profunda religião que trazemos ao peito chama-se AMOR.
Naquele dia a história da Páscoa ganhou significado, ganhou peso e importância, fez-me sentido, como todas as histórias de amor o fazem. Naquele dia a minha mãe ensinou-me que todos procuramos o mesmo, fé e esperança em alguma coisa mágica. Que todos procuramos e desejamos que o amanhã seja melhor, que de lá venha a luz, o caminho e a paz. Que todos procuramos segundas oportunidades. Que todos procuramos acreditar que o amor sempre vencerá e nunca morrerá.
Hoje, muitos anos depois desse dia em que desisti da corrente católica, no dia de Páscoa, durante uma cerimónia de iniciação ao yoga, pediram-nos para apresentar as nossas orações. Nesse momento o mestre olhou para mim, tocou-me nas mãos e olhos nos olhos disse-me: Fei, ora com o coração e todos os teus sentidos, pede não por ti mas por todos, ora a quem quiseres, ao que quiseres, não tem de ter um nome, não precisa de ter, ou dá-lhe o nome que quiseres, porque eu e tu sabemos que o que de mais divino existe é o amor e, disso, nunca duvides. E ali, eu soube que estava o meu lugar.
Feliz Páscoa
Feliz recomeçar
Feliz renovação
Feliz segunda oportunidade.
Feliz.
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